Hoje eu fiquei espantada com umas coisas que li por aí.
Eu nunca pensei que alguém seria capaz de tanto ódio, de tanto rancor. Nunca poderia imaginar que um ser humano pudesse dizer coisas tão horríveis a alguém. So much para a minha ingenuidade.
Até que, claro, lembrei-me d' Aquela.
E como uma série de flashbacks, tudo o que nós vivemos juntas, veio à tona.
Os risos, a tua gargalhada rouca, a minha gargalhada alta e genuína, os sorrisos que chegavam aos nosso olhos, o falarmos sem palavras, as lágrimas, os gritos, a raiva. Tão diferentes uma da outra, e ao mesmo tempo tão iguais como duas gotas de água. Lembrei-me de tudo e aquela minha velha conhecida dor, como há um tempo eu não a sentia, bateu cá dentro, fundo, tão fundo que nunca ninguém poderá perceber porque é que eu perdi o brilho do olhar, como tantas vezes me têm dito, porque é que o meu sorriso não me chega aos olhos, sem antes perceber que tu foste uma das que o levaste embora, para sempre. E eu digo-te porquê. Porque o meu olhar era também Dela, porque o meu coração estava cheio d'Aquela, e cheio Dele também. Porque se Ele é o nome do amor, da coragem, da eternidade, Aquela é o nome da alma, da verdade, do sonho.
De novo vieram as memórias e de novo eu não fui capaz de as enterrar como devia.
Não porque eu quisesse, vê bem mas porque por muito que eu tente lutar contra as memórias, elas acabam sempre por apanhar-me, por fazer de mim um peão num jogo de tentar esquecer, num jogo que está condenado ao fracasso, porque nós estávamos condenadas ao fracasso desde o princípio. Só fomos teimosas demais para evitar o Fim, a todo o custo. E Aquela, sempre mais adiantada do que eu, sempre à beira do precipício, porque ela é tudo ou nada, foi quem conseguiu pôr um ponto final em nós, na nossa história e na nossa amizade.
É claro que não foi a primeira vez que ela fez uma coisa destas, foi a terceira. Irónico como os traidores, independentemente de quem são e de com quem seja, tendem a fazê-lo umas três vezes. Então para ti, Aquela, vai o que eu nunca disse e deveria ter dito:
A primeira vez que me traíste foi no Ciclo,quando nos comparavam com aqueles dois melhores amigos, nós ríamos e dizíamos que tínhamos mais estilo, mais atitude e éramos bem mais cool. E modestas também. Até que tu contaste coisas minhas, espalhaste boatos, contaste a tua versão das coisas, sendo eu sempre, a má da fita. Fiquei só.Um ano inteiro, numa turma de gente que me odiou e que me voltou as costas, a quem só os rapazes estenderam os braços, eu fiquei só, com a minha dor, com a minha raiva. Nunca me esquecerei disso, nem de quem me fez tanto mal.
Eu tinha muitos defeitos na altura e tenho muitos defeitos agora, mas lembra-te que nunca, em tempo algum, eu fui falsa ou covarde. E tu,Aquela, julgaste-me pela minha feracidade, pela minha raiva, pela minha necessidade de atenção, junto ao meu síndrome de patinho-feio e de criança que acha ser mal-amada. Quando não foste capaz de ver, que esses defeitos os compartilhas comigo, que tratas os outros com mais crueldade do que eu, que dizes as maiores barbaridades e esperas que te compreendam, que aplaudam o que tu fazes. Tu, que posas constantemente de bad girl rebelde com atitude de cool, não és capaz de perceber que as falhas são minhas mas também são tuas, em grande parte, já que te achas dona e senhora da verdade.
Nunca te ensinaram que quem tem telhados de vidro não joga pedras para o alto?
Depois eu desculpei-te, quando os teus pais se divorciaram, quando tu ligaste a chorar desesperada. Eu não te queria perdoar porque sabia, depois de tantas discussões, daquilo que tu eras capaz. E mesmo assim, fechei os olhos e quis perdoar-te porque eu também tive falhas, porque quis acreditar que tu mudarias.
Da segunda vez, tu não hesitaste em virar-me as costas em vez de me defenderes, apesar de eu ter salvo o teu coiro, de ter aturado as tuas bebedeiras, de te ter ajudado a recuperar da quase overdose que te atirou para o hospital entre a vida e a morte. E eu rezei, porque era a única coisa que eu podia fazer, para que tu sobrevivesses, porque a minha irmã não podia morrer assim, tu não me podias abandonar, se tu eras(e és) uma menina quebrada eu também o era (e sou), e não fazia sentido ser quebrada sozinha.
Mas eu desculpei-te mesmo assim, nem foi tão grave quanto daquela outra vez. E foi a tua vez de me ajudares, o que sem dúvida, fizeste, quando eu estive muito mal, a ponto de ser internada. Então, eu julguei que finalmente, nos tínhamos entendido, éramos uma simbiose. Como estava enganada.
A última vez, foi tu não saberes a diferença entre uma amizade de uma década e um conhecimento de um par de anos numa discoteca. Não soubeste o que é um desabafo de uma amiga, ouvir e calar, porque eu não sabia que o que disse era um segredo, até hoje me parece estranho que alguém conte um suposto segredo daqueles a uma desconhecida mas tudo bem, esse não é ponto. Eu posso ser feroz a julgar quem odeio, mas tu não conheces essa pessoa como eu, não mesmo. Não te dá o direito de me julgares, e pelos vistos tu, é que és quem não sabe distinguir as coisas. Vejo-te a morrer aos poucos, na tua espiral de auto-destruição, e sinto pena. Pena, porque perdi uma amiga, aos catorze anos e só me dei conta disso aos vinte. Durante seis, eu estive com uma sombra
Pelos vistos não sabes o que é Amizade.
E é por isso, pelo que é Amizade, que é tornar-mo-nos eternamente responsáveis por quem cativamos, que eu cheguei à conclusão de que nem tu, nem a pessoa que escreveu as coisas que eu li hoje, sabe o significado disso. Sabes que, ao ler aquilo, eu vi as sombras do que tu foste e do fizeste e o meu coração encheu-se de dor, porque essa pessoa é para uma amiga minha uma mistura de Aquela com Ele, e eu só pude sentir o coração num bago de milho ao pensar no sofrimento da minha amiga.
Sabes, quem é amigo, de verdade, prefere morrer a infligir uma dor destas num amigo. Prefere uma dor profunda a dizer coisas como as que eu li escritas. Porque para os amigos, só deve haver verdade, entendimento, luz. Há coisas pelas quais vale a pena morrer e essas são algumas delas.
Talvez a grande questão seja essa, para que a amizade se mantenha é preciso que seja mútua, e nenhum sentimento ou relação pode ser mantido se não houver cumplicidade, troca e entrega. Pelos vistos, só eu sentia amizade, a coisa era unilateral.
E nessa altura, eu entendi que, apesar da dor que eu tenho hoje por tudo o que não foi e poderia ter sido com Ele, nós sempre fomos maiores que isso, a nossa Amizade é mais forte que tudo, eu
estarei eternamente grata pelo nosso silêncio, pelas nossas conversas pelo olhar, pelo facto dele sempre ter entendido tudo, desde o começo, desde antes que eu própria percebesse tudo. E agora sorrio, quando me lembro do que Ele me disse " Se tu pudesses ver como é verdade isto, se tu admitisses que ISTO é sério e que o que nós sentimos um pelo outro é mútuo... Eu vou fazer-te ver, e tu vais dar-me razão. Pode ser que um dia vejas..."
Eu vi, meu amor. Hoje eu vi. Três anos depois. E enquanto espero para poder estar ao teu lado, sonho. Connosco, porque já não me conheço sem que tu sejas parte de mim, já não sei ser sem ti.
""Vem, Sonho!
Docemente
mansamente...
Leva-me contigo,
Prende-me em teus braços para sempre
que eu não quero viver
ao Deus dará
como barco perdido
em temporal
das coisinhas reais
do dia-a-dia...
Vem, Sonho!
Vem perfumar com tua poesia imorredoira
minhas horas de luta angustiosa
meus instantes
de queda
e abandono
meus minutos de fé vitoriosos
meus dias combatidos
um-a-um!
Vem, Sonho!
Docemente,
mansamente...!" - Emílio C.C., meu avô.